1. Introdução
A informatização trouxe aos profissionais do Direito mudanças não só na maneira de pensar o direito, mas também de trabalhar com ele. Com a informatização dos escritórios e do próprio Poder Judiciário, assim como as profundas alterações em sede processual, não podemos admitir que os juristas não estejam preparados para compreender e discutir essas novas questões. Em sua formação, passa a ser importante saber dominar as novas ferramentas e novas tecnologias à disposição, estudar as interrelações comerciais e pessoais que ocorrem na Internet e nas novas mídias interativas, além de ser essencial que tenha o conhecimento global de todas as disciplinas do Direito Digital, com suas novas linguagens, terminologias e códigos.
A sociedade humana vive em constante mudança: mudamos da pedra talhada ao papel, da pena com tinta ao tipógrafo, do código Morse à localização por Global Positioning System (GPS), da carta ao e-mail, do telegrama à videoconferência. Se a velocidade com que as informações circulam hoje cresce cada vez mais, a velocidade com que os meios pelos quais essa informação circula e evolui também é espantosa .
Neste diapasão, caminhamos para a quarta revolução industrial – que ao contrário das revoluções anteriores – vem evoluindo em um ritmo exponencial e não linear, sendo o resultado de um mundo multifacetado e profundamente interconectado, onde novas tecnologias geram outras mais novas e cada vez mais qualificadas, tendo como base a revolução digital com a combinação de várias tecnologias, que impactam de forma sistêmica diversos países e dentro deles, empresas, indústrias e toda a sociedade .
Klaus Schwab , em sua obra “A quarta revolução industrial”, discorre:
“Atualmente, enfrentamos uma grande diversidade de desafios fascinantes; entre eles, o mais intenso e importante é o entendimento e a modelagem da nova revolução tecnológica, a qual implica nada menos que a transformação de toda a humanidade. Estamos no início de uma revolução que alterará profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, escopo e complexidade, a quarta revolução industrial é algo que considero diferente de tudo aquilo que já foi experimentado pela humanidade. Ainda precisamos compreender de forma mais abrangente a velocidade e a amplitude dessa revolução. Imagine as possibilidades ilimitadas de bilhões de pessoas conectadas por dispositivos móveis, dando origem a um poder de processamento, recursos de armazenamento e acesso ao conhecimento sem precedentes. Ou imagine a assombrosa profusão de novidades tecnológicas que abrangem numerosas áreas: inteligência artificial (IA), robótica, a internet das coisas (IOT, na sigla em inglês), veículos autônomos, impressão em 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência dos materiais, armazenamento de energia e computação quântica, para citar apenas algumas. Muitas dessas inovações estão apenas no início, mas já estão chegando a um ponto de inflexão de desenvolvimento, pois elas constroem e amplificam umas às outras, fundindo as tecnologias dos mundos físicos, digital e biológico” .
Nesse contexto, nasce a importância do tema sobre a inteligência artificial e processo.
As inovações tecnológicas romperam as impermeáveis barreiras do espaço e do tempo, propiciando modalidades inusitadas de conexões intertemporais nos diversos países e, até mesmo, ao longo do globo.
Todavia, no mesmo instante em que ceifam certos tipos de trabalho e emprego no sistema socioeconômico, imediatamente criam outros em substituição, atados estes à nova tecnologia substitutiva do labor precedente. Ora, se os veículos automotores (carros, caminhões, ônibus, etc.) substituíram, no início do século XX, o transporte por tração animal (individual e coletivo), eliminando as respectivas atividades e funções econômico-sociais, aquela mesma tecnologia de transportes, então revolucionária, criou imediatamente funções e profissões, muito mais dinâmicas e massivas do que as então superadas. Assim, do mesmo modo que a microcomputação está a ceifar, nas duas últimas décadas, diversas funções e empregos, também está, automaticamente, criando ocupações e atividades, inimagináveis no período anterior .
Desta forma, busca-se desmistificar a ideia de que a aplicação da Inteligência Artificial no âmbito judicial irá extinguir o trabalho dos operadores do Direito, uma vez que essa ferramenta surgiu para viabilizar e reduzir o tempo de trabalho, aumentar a produtividade, tornando real os princípios processuais da celeridade e da eficiência
Atualmente, nos tribunais brasileiros, existe uma demanda estratosférica de processos judiciais que se encontram paralisados, principalmente, execuções fiscais.
Embora o Poder Judiciário tenha criado mecanismos processuais, a fim de garantir a razoável duração do processo como: as súmulas vinculantes, as sentenças paradigmas, as sentenças coletivas em processos congêneres, tais medidas se mostraram insuficientes – e em muitos casos, levando ao perecimento do direito.
Como exemplo podemos citar as execuções fiscais que, em virtude do volume de processos e da escassez de funcionários, a Fazenda Pública, na maioria dos casos, fica impossibilitada de perquirir o crédito tributário, permitindo que os processos sejam acometidos pela prescrição, fazendo com que o Estado deixe de receber a receita pretendida.
2. Da Efetivação dos Princípios da Celeridade e da Eficiência Processuais
2.1. Meios legais à efetivação da celeridade processual
A crise da justiça e a demora da prestação jurisdicional fizeram surgir soluções que foram introduzidas em nosso sistema jurídico com a finalidade de tornar real o comando constitucional, segundo o qual “a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação” (CF-88, art.5º, LXXVIII).
O devido processo legal e a garantia de amplo acesso ao Judiciário de nada valerão se não houver uma resposta não somente rápida, e que se torne eficaz através de comandos à disposição do Judiciário para agir inclusive contra o próprio Estado, aqui representado pelo exercício de seu poder através de qualquer de suas funções – Legislativa, Executiva e Judiciária .
A EC n.º 45/04 (Reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, pois, o direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do “due process os law” .
Essas previsões – razoável duração do processo e celeridade processual -, em nosso entender, já estavam contempladas no texto constitucional, seja na consagração do princípio do devido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (CF, art. 37, caput). Conforme lembrou o Ministro Celso de Mello, “cumpre registrar, finalmente, que já existem, em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133, II e art. 198; LOMAN, art. 35, incisos II, III e VI, art. 39, art. 44 e art. 49, II), de modo a neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios” .
Os processos administrativos e judiciais devem garantir todos os direitos às partes, sem, contudo, esquecer a necessidade de desburocratização de seus procedimentos e na busca de qualidade e máxima eficácia de suas decisões .
Na tentativa de alcançar esses objetivos, a EC n.º 45/04 trouxe diversos mecanismos de celeridade, transparência e controle de qualidade da atividade jurisdicional.
Como mecanismos de celeridade e desburocratização podem ser citados: a vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, a proporcionalidade do número de juízes à efetiva demanda judicial e à respectiva população, a distribuição imediata dos processos, em todos os graus de jurisdição, a possibilidade de delegação aos servidores do judiciário, para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório, a necessidade de demonstração de repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para fins de conhecimento do recurso extraordinário, a instalação da justiça itinerante, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal .
No âmbito do direito internacional, a jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos desenvolveu critérios para aferição da duração razoável do processo. Em sua primeira formulação, a Corte erigiu como critérios: I – a complexidade da causa; II – o comportamento das partes; III – e o comportamento do Juiz na condução do processo. Hoje, além desses três clássicos parâmetros, a Corte vem apreciando igualmente a razoabilidade da duração do processo a partir da relevância do direito reclamado em juízo para a vida do litigante prejudicado pela duração excessiva do processo – critério da posta in gioco, que determina redobrada atenção do Estado nos casos em que o litígio versa sobre responsabilidade civil por contágio de doenças, status pessoal e que ameacem a liberdade pessoal do réu no processo penal. Vale dizer: a importância da decisão da causa na vida do litigante adquire significativa importância para análise da razoabilidade da duração do processo.
Esses parâmetros são perfeitamente aplicáveis no direito brasileiro para fins da aferição da concretização do direito ao processo sem dilações indevidas. A complexidade da causa, sua importância na vida do litigante, o comportamento das partes e o comportamento do juiz – ou de qualquer de seus auxiliares – são critérios que permitem aferir racionalmente a razoabilidade da duração do processo .
Todavia, de acordo com o relatório anual elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça do ano-base 2016, percebe-se que essas medidas não foram satisfatórias para garantir a razoável duração do processo.
O Poder Judiciário finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Desses, 13,1 milhões, ou seja, 16,4% estavam suspensos ou sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando alguma situação jurídica futura.
Durante o ano de 2016, ingressaram 29,4 milhões de processos e foram baixados 29,4 milhões. Um crescimento em relação ao ano anterior na ordem de 5,6% e 2,7% respectivamente.
Mesmo tendo baixado praticamente o mesmo quantitativo ingressado, com índice de Atendimento à Demanda na ordem de 100,3%, o estoque de processos cresceu em 2,7 milhões, ou seja, em 3,6% e chegou ao final do ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação aguardando alguma solução definitiva .
Quanto ao tempo médio de tramitação dos processos, as maiores faixas de tempo estão concentradas no tempo de processo pendente, em específico na fase de execução da Justiça Federal (7 anos e 6 meses) e da Justiça Estadual (7 anos e 5 meses) .
2.2 A Inteligência Artificial como meio extralegal à efetivação dos princípios da celeridade e da eficiência processuais
2.2.1 Dos primórdios dos experts systems
O presente tema sempre despertou curiosidade e foi objeto de diversas obras de ficção científica. No livro, “¿Cómo se hicieron los derechos humanos? de autoria do ilustre Professor, Dr. Ricardo Rabinovich, há uma menção a obra de teatro R.U.R (Robots Universales Rossum), escrita peloo tcheco Karel Capek (1890-1938) no ano de 1920. Nela aparece a palavra “robô”, derivada do substantivo tcheco “robota”, que significa “trabalho duro”. Também nasce o recurso literário que empregam andróides para debater questões inerentes à humanidade, como a exploração-objetivação de pessoas e a delimitação de pertencimento à espécie .
O uso da inteligência artificial teve seus primórdios nos idos de 1960. Conhecidos como expert systems, foram inicialmente utilizados nos campos da medicina, da geologia e na área de análises clínicas ao diagnóstico de doenças.
“Arguably the first sustained, and ultimately successful, work in this field, was initiated in 1965. This was the DENDRAL Project, carried out at Stanford University and inspired by one of the fathers of A.I., Edward Feigenbaum. By harnessing the formal and heuristic knowledge both of Joshua Lederberg (a professor of genetics and Nobel laureate), and of Carl Djerassi (a physical chemist renowned for having invented the birth control pill), Feigenbaum wrote a program that can infer the molecular structure of na unkown molecule given the mass spectroscopic data that would normally be available to a physical chemist engaged in such a task. The system’s capabilities in this sphere are now said to exceed those of any single human being (including its designers), and it is used in university and industrial environments throughout the world. Another expert system, PROSPECTOR, functions as na inteligente assistant for geologists by offering advice on the location of ore deposits based on geological data. And the most widely known expert system are those that performs medicals diagnoses. MYCIN is a system developed by Dr. Edward H. Shortliffe which provides consultative advice on diagnosis and antibiotic therapy for infectious diseases such as blood infections and meningitis” .
No âmbito do processo judicial, o programa pioneiro foi o TAXMAN, criado por McCarty em 1972, que se tratava de uma ferramenta muito rudimentar voltada ao direito tributário. Posteriormente, no de 1976, surgiu o JUDITH, que se tratava de um programa que operava com o Código Civil Alemão e o Sprowl’s A.B.F., que era um programa que reunia informações legais proveniente de códigos e regulamentos a fim de redigir contratos e outros documentos judiciais. Nos anos oitenta, com o avanço da inteligência artificial, surgiram outros projetos como o Hafner’s L.I.R.S., que buscava elaborar documentos, fundamentado-os na lei e o Waterman and Peterson’s L.D.S., cujo objetivo era criar um sistema de técnicas decisórias para processos cíveis .
Pelo exposto, percebe-se que a utilização de experts systems no meio jurídico não é algo novo. Todavia, no Brasil, essa ferramenta começou a ser utilizada no ano de 2017 pela Procuradoria Geral do Distrito Federal, sendo o órgão pioneiro em adotar a Inteligência Artificial como um mecanismo hábil ao primado da eficiência e da celeridade processual.
Com o intuito de recuperar R$. 24 bilhões de reais em ativos, a Procuradoria Geral do Distrito Federal recebeu uma oferta de colaboração técnico-científica por meio da startup brasiliense Legal Labs que criou um sistema de inteligência artificial projetado para acelerar a tramitação de processos de execução fiscal .
Batizada de Dr. Luzia, a robô-advogada será instalada nos computadores da procuradoria e ficará responsável pela avaliação de cerca de 300 mil processos de cobrança de dívida ativa em andamento no órgão. Segundo a procuradoria, o robô fará a triagem e peticionamento dos autos de processos que estejam em fases preestabelecidas, interpretará as decisões dos juízes nos despachos e certidões e, a partir daí, selecionará a petição adequada para cada situação jurídica.
3. Considerações Finais
Em face da quarta revolução industrial, que tem por base a revolução digital, o profissional do direito deve adaptar-se às novas formas de realizar e executar o trabalho, uma vez que não há mais limites espaciais nem temporais.
A Inteligência Artificial é uma ferramenta que teve seu uso iniciado há quase cinquenta anos e sua implantação no meio jurídico veio para viabilizar o trabalho do profissional do direito e não para eliminar postos de trabalho – como citam alguns pessimistas – porque a cada inovação tecnológica surgem outras necessidades, gerando, por sua vez, novas oportunidades e novos ramos, que irão gerar novas profissões até então inexistentes.
Os mecanismos legais criados pela legislação brasileira, após a EC n.º 45/04, mostraram-se insuficientes à efetivação dos princípios da celeridade processual, quanto à manutenção de um prazo de duração razoável do processo, conforme assegura a Constituição Federal no art. 5º, inciso LXXVIII. Desta forma, urge a implantação de um mecanismo extralegal, que viabilize a gestão de acompanhamento processual e evite sobretudo o perecimento do direito, haja vista que a média de um processo permanecer paralisado, segundo relatório do CNJ são sete anos e meio; ao passo que para caracterizar a prescrição intercorrente são necessários cinco anos. Logo, não restam dúvidas que o uso de um programa de Inteligência Artificial seria de grande valia a toda sociedade.
Por fim, ressaltamos que o homem é insubstituível e por trás de uma ação judicial existem vidas humanas, sentimentos. É fundamental para o julgador o contato direto com as partes, o “olho no olho” e isso nenhum robô faz. Dessa forma, é recomendável que o uso dessa tecnologia deva ser direcionado aos processos que a matéria seja exclusivamente de direito e envolvam operações aritméticas, a exemplo das execuções fiscais. Nos demais casos, esse programa auxiliará na gestão processual como fonte de pesquisa jurisprudencial, controle de prazos, elaboração de despachos de expedientes, expedição de intimações e publicação de atos processuais.
Referências Bibliográficas:
Bench – Capon, T.J.M. Argument in Artificial Intelligence and Law (1997). Kluwer Academic Publishers. (JURIX95).
Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ, 2017.
Dantas, Ivo. Novo Processo Constitucional Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2010.
Delgado, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006.
Gordon, Thomas F. Artificial Intelligence and Legal Theory at Law Schools (2005), página da web [https://pdfs.semanticscholar.org]. Acesso em: 05 mai. 2018.
O’Callaghan, Thomas A.; Popple, James; McCreath, Eric. Building and testing the Shyster-Mycin Hybrid Legal Expert System (2003). Published by the Department oof Computer Science, Faculty of Engineering and Information Technology, and the Computer Sciences and Engineering, The Australian National University (2003), página da web [http://cs.anu.edu.au/techreports/]. Acesso em: 05 mai. 2018.
Peck Pinheiro, Patrícia. Direito Digital. 02ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Rabinovich-Berkman, Ricardo David. ¿Cómo se hicieron los derechos humanos?: un viaje por la historia de los principales derechos de las personas. 01ª Ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Didot, 2013.
Sarlet, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. 03ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
Schwab, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
Susskind, Richard E. Expert Systens in Law: A jurisprudential approach to artificial intelligence and legal reasoning.
Ronaldo de Albuquerque Agra