Esse artigo nasceu da análise empírica, oriunda da práxis jurídica, que nos permitiu observar um aumento nos últimos anos da quantidade de protestos realizados pela Fazenda Pública, cujas dívidas, em alguns casos, foram acometidas pela prescrição.
Postado por : Admin
01/12/2020
PONDERAÇÕES ACERCA DA LEI N.º 9.492/97

PONDERAÇÕES ACERCA DA LEI N.º 9.492/97: DA IMPOSSIBILIDADE DA DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO TABELIÃO DE PROTESTOS

RESUMO:  A Lei de Protestos não se encontra integrada ao ordenamento jurídico atual. Editada em 1997, época em que assuntos como prescrição e decadência não eram consideradas matérias de ordem pública, o texto legal, ainda vigente, impede que o Tabelião do Cartório analise a prescrição do título. Dessa forma, permite-se que dívidas prescritas sejam protestadas, pondo em risco a segurança do ordenamento jurídico. Protestar dívida prescrita configura abuso de direito, passível de indenização; entretanto, se esse artigo fosse revogado, demandas seriam evitadas e a Lei de Protestos se integraria coerentemente ao sistema legal. Portanto, sob a égide de uma abordagem qualitativa e de natureza aplicada, visamos explorar o tema através de levantamentos bibliográficos, propondo-se a analisar as situações decorrentes desse ilogismo.

ABSTRACT: The Protest Law is not integrated into the current legal system. Issued in 1997, a time when matters such as prescription and decay were not considered to be matters of public order, the legal text, still in force, prevents the Notary Public from analyzing the prescription of the title. In this way, prescribed debts are allowed to be protested, putting the security of the legal system at risk. Protesting prescribed debt constitutes abuse of rights, subject to indemnity; however, if this article were to be repealed, demands would be avoided and the Protest Law would be coherently integrated into the legal system. Therefore, under the aegis of a qualitative and applied approach, we aim to explore the topic through bibliographical surveys, proposing to analyze the situations resulting from this illogism.

1)    Breve Introito

    Esse artigo nasceu da análise empírica, oriunda da práxis jurídica, que nos permitiu observar um aumento nos últimos anos da quantidade de protestos realizados pela Fazenda Pública, cujas dívidas, em alguns casos, foram acometidas pela prescrição.
    Apesar do protesto extrajudicial ser um meio coercitivo e célere à cobrança de dívidas, uma vez que auxilia o Poder Judiciário na prevenção e solução de possíveis litígios, o art. 09º da Lei n.º 9.492/97 mantem sua redação original e impede a análise da prescrição pelo Tabelião do Cartório de Protestos, gerando uma situação injusta, que permite ao credor se utilizar desse meio para coagir o devedor a pagar dívidas prescritas.
    A finalidade do protesto é evitar os custos de um processo judicial, poupando o tempo de ambas as partes e auxiliando na diminuição de ações judiciais, garantindo ao titular do direito material o recebimento do crédito de forma oportuna, eficiente, econômica e tempestiva.
    Todavia, impossibilitar a análise da prescrição pelo tabelião do cartório é ir de encontro ao princípio da economia processual, uma vez que esse ato implica no aumento de conflitos decorrentes do ajuizamento de outras demandas, de cunho indenizatório, que poderiam ser evitadas com a simples recusa do protesto. Portanto, nesse contexto, desenvolvemos essa reflexão, discorrendo sobre os aspectos que circundam o tema, a exemplo da prescrição e do dever de coerência do ordenamento jurídico como garantias da segurança e da paz social.

2)    Prescrição: Instituto indispensável à estabilidade e à consolidação do Direito

A palavra praescriptio significa literalmente um escrito posto antes (prae-scriptio) . O aspecto da prescrição que primeiro se salientou foi realmente o da prescrição aquisitiva, figurando na Lei das XII Tábuas. Apenas beneficiava o cidadão romano e incidida somente sobre coisas romanas. 
Foi Justiniano quem refundiu completamente o instituto, destacando sua dupla face, aquisitiva ou extintiva, sendo essa o meio pela qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo; e aquela um modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada.
Atualmente, a prescrição figura indiscriminadamente em todas as legislações contemporâneas pro bono publico, havida como filha do tempo e da paz , sendo considerada na Teoria Geral do Direito como a morte da ação que tutela o direito pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim .

3)    Lei de Protestos: impossibilidade da declaração da prescrição pelo tabelionato
De acordo com o art. 09º da Lei n.º 9.492/97 todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade. Dessa forma, o que obsta o registro do protesto é qualquer irregularidade formal existente no título, conforme preceitua o parágrafo único desse mesmo artigo. 
A Lei n.º 12.767/2012 acrescentou o parágrafo único ao art. 01º da Lei n.º 9.492/97 tornando títulos sujeitos à protestos: as Certidões da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas, implicando no aumento do número de dívidas levadas à protesto. Todavia, a problemática surge quando, em alguns casos, o credor realiza o protesto de uma dívida prescrita, tendo em vista a brecha legal permitida pelo art. 09º da Lei de Protestos.
Defendemos a alteração dessa norma, porque a declaração da prescrição pelo Tabelião de Protestos contribuiria diretamente à redução das demandas indenizatórias por reparação de dano moral provenientes de abuso de direito, a exemplo do julgado adiante transcrito, cujo teor condenou a União com base na responsabilidade objetiva, elencada no art. 37, §6º da Constituição Federal, em face de um ato comissivo perpetrado pela Fazenda Nacional, que culminou em um protesto indevido de certidão de dívida ativa acometida pela prescrição.
 
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLEMENTES. DANO PRESUMIDO. INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. CABIMENTO.
1. Insta perquirir a natureza de eventual responsabilidade civil da União, a quem é imputada a responsabilidade pelo protesto de dívida prescrita e inscrição indevida do nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito (fl. 22). 2. Verifica-se, no caso concreto, a existência de um ato comissivo, a ensejar a responsabilidade objetiva da União, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição da República, bastando, portanto, a comprovação da conduta, do dano e do nexo causal, sendo despicienda a análise da culpa. 3. Tendo em vista que a prescrição do crédito tributário foi reconhecida pela União (fl. 69 verso), houve o protesto indevido da certidão de dívida ativa (fl. 19) e a formalização do protesto propiciou a inclusão indevida do nome da demandante nos cadastros de órgãos de proteção ao crédito (fl. 22), há prova cabal nos autos acerca da conduta da União, do dano suportado pela contribuinte, bem como do nexo de causalidade entre a ação e o resultado, derivando deste contexto a responsabilidade objetiva da demandada. 4. A par disso, consoante remansoso entendimento jurisprudencial, a inclusão indevida da contribuinte nos cadastros de inadimplentes gera dano moral presumido, passível de indenização. 5. A fixação do quantum indenizatório depende da análise da relação entre reparação integral (à luz da extensão da lesão) e vedação ao enriquecimento sem causa. 6. No que tange ao montante da indenização, deve ser observado que as lesões a direitos de personalidade não apresentam natureza econômica, mostrando-se inviável a avaliação pecuniária precisa de sua extensão e, consequentemente, qualquer tentativa de tarifação, devendo o julgador, por um lado, compensar ou confortar o lesado e, de outro, desestimular e até mesmo punir o causador do ilícito, analisando aspectos tais como condição social do ofensor, viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, grau de culpa, gravidade do dano e reincidência. 7. In casu, considerando as circunstâncias fáticas, em especial o protesto de CDA que albergava crédito tributário prescrito, a negativação do nome da demandante nos órgãos de proteção ao crédito e o valor protestado (de expressiva envergadura), mostra-se adequada a fixação dos danos morais no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), inclusive para desestimular a renovação de condutas semelhantes. 8. Apelação improvida e recurso adesivo parcialmente provido. (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2111769 - 0004968- 60.2014.4.03.6112, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO SARNO, julgado em 04/02/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/02/2016).

4)    Da necessidade de coerência do ordenamento jurídico
Insta salientar que a declaração da prescrição não é ato privativo de juiz. Caso contrário, a Lei n.º 11.441/07 não permitiría a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por via administrativa em cartório.  Por esse motivo, acatamos o posicionamento que o mesmo poderia se suceder com o reconhecimento da prescrição pelo tabelião. 
E mais, a alteração do art. 09º da Lei n.º 9.492/97, no tocante à possibilidade de reconhecimento da prescrição pelo tabelião, contribuiria para manter a coerência do ordenamento jurídico, uma vez que estaria em consonância com o CPC/2015 , que permite o reconhecimento da prescrição pelo juiz, em caráter liminar, quando esse verifica, desde logo, a ocorrência de decadência ou prescrição.
A necessidade de coerência do ordenamento jurídico, remete-nos à afirmação do insigne jurista Norberto Bobbio, a saber, o Direito não tolera antinomias. 
Conforme seus ensinamentos, a coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento. Onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e portanto ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria .
No mesmo sentido, Tomaso Perassi, em sua Introdução às Ciências Jurídicas, corrobora: “As normas que entram para constituir um ordenamento, não ficam isoladas, mas tornam-se parte de um sistema, uma vez que certos princípios agem como ligações, pelos quais as normas são mantidas juntas de maneira a constituir um bloco sistemático” .
Assim, a alteração da norma contida no art. 09º da Lei de Protestos para que torne possível a análise da prescrição é fundamental à coerência do sistema legal, garantindo a certeza e a justiça do ordenamento jurídico.

5)    Considerações Finais
Impedir a análise da prescrição pelo tabelião do cartório de protestos é norma ultrapassada que colide frontalmente com o próprio instituto do protesto, que objetiva a eficiência, a celeridade e a redução de demandas. E mais, diverge dos fins colimados pelo atual Código de Processo Civil, dentre eles: a atenuação do excesso de carga de trabalho do Poder Judiciário e o afastamento de posições  diferentes e incompatíveis nos Tribunais, haja vista esse fenômeno fragmentar o sistema, gerar intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade, sendo função dos tribunais proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado.


Bibliografia

    Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico (Trad. Maria Celeste C. J. Santos). 10ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.

    Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito tributario. 08ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

    Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributario. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

    Masaki, Lummy; Oliveira, Lucius, Marcus. Os fins não justificam os meios: a inconstitucionalidade do protesto de certidão de dívida ativa. Disponível em: http://bpoadvogados.com.br/inconstitucionalidade-certidão-divida-ativa. Acesso em: 09 jul 2020.

    Monteiro, Washington de Barros. Curso de direito civil. Vol. I. Parte Geral. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

    Perassi, Tomaso. Introduzione alle scienze giuridiche, 1953. In: Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10 Ed. Brasília: UNB, 1999.


Ronaldo de Albuquerque Agra

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Tags : protesto; dívida; prescrição; ilegalidade; indenização.

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